pois a saudade de casa é imensa.
Ir até a lanchonete bem rápido e comprar um jornalesco, antes que o café da
manhã chegue no quarto, uma passada na capela é trajeto obrigatório. No
elevador vejo a movimentação dos funcionários fazendo a troca de turno, o quadro de pessoal é composto de belas enfermeiras, e elas vão
chegando sorridentes com seus alvos uniformes a nos brindar com seu "bom
dia" peculiar. A fome é imensa, é hora de voltar ao quarto, pelos
corredores ouço o barulhinho do carrinho de café da Sra. Marta e sua equipe,
que traz junto da primeira refeição seus causos de família, histórias da filha,
e da sua igreja evangélica.
E
nas três vezes em que aqui estive, os amigos foram se revezando nos quartos,
dentre eles Valdemir o cômico, Eduardo o espiritualista e dono do rádio, Paulo
o caladão, Wladimir o mais alto astral, Ildeu a humildade em
pessoa, Marcelo o inquieto, Sr. Zezé o tranquilo, o novato, e Sérgio o
falante. E o rádio do Eduardo já amanhece sintonizado na Alvorada FM, música de
qualidade que nos dá motivação para mais um dia de vários exames, coletas,
remédios, dietas rigorosas, pulsoterapia.
A
música vai nos distraindo, aliviando a ansiedade por boas notícias, pois não é
fácil esperar resultados num quarto de hospital. Maus presságios são afastados
a todo momento, principalmente com as amizades que fazemos por aqui, e também a
leitura de livros, a música, as brincadeiras e muitas risadas, as histórias de
família, causos engraçados ou tristes nos tornam mais íntimos, nos aproxima, ao
compartilharmos nossas vidas percebemos o semelhante, de mãos dadas nos
sentimos mais, somos mais.
Na
hora do almoço e no café da tarde, tudo se repete. A fome é grande, a
dieta da nutricionista é rigorosa, uma fruta ou um biscoito na gaveta é a
salvação. As enfermeiras conversam bastante conosco elevando nosso astral, as
faxineiras também interagem com os pacientes, os médicos muito solícitos, e
assim caminha mais um dia no Hospital.
Nesse
universo de tamanha complexidade que lida com a matéria e o espiritual, que
trata de vidas, que salva pessoas, que dá esperança, que alivia ou cura, ou
sendo mais pessimista que prepara o ser humano para a inevitável partida para
algures. Aqui dentro percebe-se várias manifestações, sente-se o que não se
pode ver, o invisível e o palpável caminham nesses longos corredores, nos
elevadores, nas portarias, por toda parte há um certo mistério que paira no
ar.
A
noite serve-se o jantar, mais tarde o lanche, e depois o silêncio pede
passagem, ele vai reinando aos poucos, vai se infiltrando aqui e acolá quando
pelos corredores já não se vê quase ninguém, até as nossas salvadoras
enfermeiras já reduzem o número no quadro de pessoal, o rádio já dorme, alguns
colegas já ensaiam os primeiros roncos, é assustador ver um prédio imenso como
esse ir se calando aos poucos, é assustador.
Mas
tudo tem o seu porque, o seu para que, o momento é de refletir os desígnios de
Deus, e trabalhar a aceitação é o que me cabe no momento, saber que por hora
meu mundo é aqui, sei que um dia voltarei à normalidade junto aos meus
familiares, isso é questão de fé e de tempo, mas por enquanto minha missão é
cuidar da perda de proteína nos rins e principalmente rever minha vida
espiritual.
A
madrugada cresce e o sono não vem, então com caneta e
papel na mão, caminho para o corredor onde ainda há luz acesa e me ponho a escrever e dialogar comigo mesmo o que sinto agora, a saudade de casa, da família, das minhas coisas, do
nosso mundo particular que por muitas vezes não damos o devido valor.
E
aqui dentro me ponho a agradecer a Deus, por todo o tratamento, pela dedicação
de todos os funcionários para comigo, todos os pacientes que nos tornamos
cúmplices das dores e alegrias, enfim tudo que compartilhamos aqui nesse 8º
andar, ala "D", Setor de Nefrologia, Hospital Santa Casa de Belo
Horizonte/MG, onde fui muito bem atendido e hospedado nas novas instalações que
um ser humano merece.
Do
alto dessas janelinhas vejo a vida com outros olhos, quando eu passava lá fora
na avenida francisco sales nem imaginava o que ocorria aqui dentro, onde a madrugada
cresce em agonia, onde alguns gemidos de dores desafiam o silêncio, daqui de
cima vejo as luzes dos prédios se apagando aos poucos, daqui vejo a cidade
adormecendo, e eu aqui pensando em Deus e refletindo sobre a vida, em tempos
de esperas...
Dedico estra crônica ao Dr. Milton e sua equipe médica, a todos da enfermagem e em especial as enfermeiras Márcia, Maria Helena e Vanessa.